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A representação problemática da transexualidade | Crítica A Garota Dinamarquesa (2015)

20 fevereiro 2016


 A Garota Dinamarquesa é um filme que está indicado ao Oscar de Melhor Ator esse ano, pela participação do Eddie Redmayne, vencedor do prêmio no ano passado. No filme, ele interpreta a personagem histórica Lili Elbe, considerada a primeira mulher do mundo a fazer a cirurgia de readequação sexual.

A obra vem sendo bastante aclamada por pessoas de fora da comunidade trans, que consideram o filme uma linda história de amor, um grande espetáculo de atuação do Eddie Redmayne e um importante marco social para a comunidade trans. A ilustração da vida de uma representante histórica transsexual em um meio cinematográfico de grande alcance, sendo reconhecido pelo maior evento de cinema do mundo, está permitindo que um imenso número de pessoas sejam tocadas e atingidas com a história de Lili Elbe.

Quando se faz parte de um grupo marginalizado pela sociedade e totalmente invisibilizado pelas Artes do Entretimento, é de se imaginar a transformação social que uma obra assim tem o poder de causar entre as pessoas. E é justamente por conta desse poder de mudança que todo cuidado no tratamento do filme ainda é pouco. A representação somente pela representação pode fazer muito mais mal do que bem. Pode desinformar mais do que informar. Aumentar a ignorância de um povo ao invés de acabar com os preconceitos há muito enraizados.


O primeiro questionamento envolvendo a transfobia no filme - e o mais debatido nas redes sociais - diz respeito à escolha de um homem cisgênero para representar uma mulher trans. Como muito texto já foi produzido sobre esse tema, principalmente pela própria comunidade trans, vou apenas indicar essa leitura que exprime totalmente a minha opinião envolvendo a questão.

Aqui, vou me limitar apenas a discutir os aspectos técnicos do filme como o enredo e a atuação do Eddie Redmayne: enquanto muitos elogiaram o seu desempenho, o que eu vi foi uma caricatura estereotipada do feminino. Sua atuação parecia tão forçada que me tirava da imersão do cinema, me lembrava a todo instante que eu estava assistindo a uma representação da Lili. O olhar, especialmente, foi a minha maior fonte de incômodo. (Cheguei até a me questionar se ele estava interpretando uma personagem com tique nervoso, que toda vez que entrava em contato com a sua feminilidade, começava a piscar e arregalar os olhos. Concluí que foi apenas uma atuação ruim mesmo, onde foi decidido que ser mulher se resume a ter um olhar de louca).

Sobre o enredo, foi perpetuado um falso conhecimento sobre a biografia das personagens e ainda mais danos foram causados em relação às questões da transexualidade - promovendo a manutenção da ignorância entre os espectadores menos familiarizados com o assunto. 


Inicialmente, Lili e Greta são completamente apaixonadas e possuem um casamento exemplar, sem nenhum problema conjugal e, especialmente, sexual. Fica claro que Lili, antes da sua transição, ama e sente muito desejo por sua esposa Greta. Entretanto, sem qualquer tipo de explicação maior, após o início da sua transição, Lili não só perde o interesse sexual por Greta, como só tem olhos para outros homens. Percebe o problema? Há uma total confusão e junção entre identidade de gênero e orientação sexual, como se fosse tudo uma coisa só e são tratadas de igual maneira ao longo da obra.

Lili, enquanto vivia como homem na sociedade, sentia atrações por  mulheres. Mas quando passou a viver como mulher, começou a gostar de homens. Simples assim e sem nenhum tipo maior de explicação. Esse é o nível de superficialidade da obra quando se tratando de assuntos tão delicados e é aí que mora o perigo desse tipo de "descuido".

Para além dessas questões, o que mais me surpreendeu é que o filme é muito mais empenhado em mostrar como a esposa, Greta, lida com a transição do marido do que na experiência do marido em si. É muito mais importante nos encantarmos com a pessoa elevada, compreensiva e aceitadora que era Greta do que sermos tocados pela história pessoal da vida de Lili. Nesse contexto, Greta que é a verdadeira "garota Dinamarquesa" do filme e a verdadeira protagonista dessa história. É o seu amor o que mais nos emociona.

Em suma, acredito que o principal defeito do filme está num roteiro mal elaborado e confuso, na falta de pesquisa histórica e no descuido com as questões transsexuais. Já nos outros aspectos em que o ele também foi indicado ao Oscar: Figurino, Design de Produção e Melhor Atriz Coadjuvante, eu acredito que o filme acerta nesses pontos e inclusive estou na torcida pela Alicia Vikander.


Nota: 5/10

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4 comments:

  1. Eu ja estava afim de assitir esse filme... Agora depois desse texto vou assintir e tentar me prestar atencao nos detalhes falhos de roteiro confuso que que relatou aqui.
    Otimo texto, voce escreve muito bem. Parabens pelo blog, vou passar a acompanha-lo ;)
    Beijo !

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  2. Desde que vi que este filme tinha entrado em cartaz no Brasil, fiquei um tanto que curiosa para vê-lo. Criei uma expectativa e depois que li sua crítica, acho que já deixei cair a ficha. Vou assistir do mesmo jeito, agradecida por ter lido um texto que vai impedir de eu ter uma decepção depois de assistir.

    www.simonemagnus.com.br

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  3. Parabéns pela crítica.
    Eu não consegui acessar o texto que você indicou. Tem como disponibilizar o link outra vez?

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  4. Parabéns pela crítica.
    Eu não consegui acessar o texto que você indicou. Tem como disponibilizar o link outra vez?

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Vanessa. Paraibana, leonina, amante dos animais e de homens com cabelos compridos. Isso é basicamente tudo que você precisa saber sobre mim, o resto você descobre nas páginas do blog. ♥

 
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